Continuando na "conspiração"
Os Evangelhos derivam de uma realidade histórica concreta e reconhecível. Era uma realidade de opressão, de descontentamento cívico e social, de agitação política, de perseguição incessante e de rebelião intermitente. Era também uma realidade inundada de promessas, esperanças e sonhos, perpétuos e desesperados - da vinda de um rei legítimo, um líder espiritual e secular que conduziria o seu povo à liberdade. No que dizia respeito à liberdade política, estas aspirações foram brutalmente extinguidas pela guerra devastadora entre 66 e 74 d. C. Contudo, transpostas para uma forma totalmente religiosa, essas aspirações não só foram perpetuadas pelos Evangelhos como adquiriram também um poderoso ímpeto novo.
Os estudiosos modernos são unânimes em concordar que os Evangelhos não datam do tempo da vida de Jesus. Na sua maioria datam do período entre as duas grandes revoltas na Judeia - 66 a 74 e 132 a 135 -, embora se baseiem quase certamente em relatos anteriores. Estes relatos anteriores podem ter incluído documentos escritos que se perderam posteriormente - pois houve uma grande destruição de registos após a primeira rebelião. Mas incluiriam também, com certeza, tradições orais. Algumas foram sem dúvida grosseiramente exageradas e/ou distorcidas, recebidas e transmitidas em segunda, terceira ou quarta mão. Outras, contudo, podem ter sido provenientes de indivíduos que tivessem vivido no tempo de Jesus e que podem mesmo tê-lo conhecido pessoalmente. Era muito possível que um jovem na altura da Crucificação ainda estivesse vivo quando os Evangelhos foram compostos.
Considera-se geralmente que o mais antigo dos Evangelhos é o de Marcos, composto durante a revolta de 66-74 ou pouco depois - excepto no que diz respeito à Ressurreição, que é uma adição posterior e fictícia. Embora Marcos não fosse ele próprio um dos discípulos originais de Jesus,
parece que era originário de Jerusalém. Parece ter sido companheiro de São Paulo, e o seu Evangelho tem o selo inconfundível do pensamento paulino. Mas, embora Marcos fosse nativo de Jerusalém, o seu Evangelho - como afirma Clemente de Alexandria - foi composto em Roma, e dirigia-se a uma audiência greco-romana. Isto, por si só, explica muita coisa. Na altura em que o Evangelho de Marcos foi composto, a Judeia estava, ou estivera recentemente, em revolta aberta, e milhares de judeus estavam a ser crucificados por se rebelarem contra o regime romano. Se Marcos queria que o seu Evangelho sobrevivesse e causasse alguma impressão numa audiência romana, nunca poderia apresentar Jesus como anti-romano.
Na verdade, seria impraticável apresentar Jesus como tendo qualquer orientação política que fosse. De forma a garantir a sobrevivência da sua mensagem, ter-se-ia visto obrigado a exonerar os Romanos de todas as culpas pela morte de Jesus - a branquear o regime existente e enraizado, e a culpar certos judeus pela morte do Messias. Este estratagema foi adoptado, não só pelos autores dos outros Evangelhos mas também pela Igreja Cristã, nos seus primórdios. Sem tal estratagema, nem os Evangelhos nem a Igreja teriam sobrevivido.
Os estudiosos datam o Evangelho de Lucas aproximadamente de 80 d. C. Lucas parece ter sido um médico grego, que compôs a sua obra para um oficial romano de alta patente em Cesareia, a capital romana da Palestina. Portanto, também Lucas terá sentido a necessidade de aplacar e apaziguar os Romanos, transferindo a culpa para outro lado.
Quando o Evangelho de Mateus foi composto - aproximadamente em 85 d. C. - parece que esta transferência já era aceite como um facto estabelecido e inquestionável. Mais de metade do Evangelho de Mateus, na verdade, deriva directamente do de Marcos, embora tenha sido originalmente composto em grego e reflicta características especificamente gregas. O autor parece ter sido judeu, muito possivelmente refugiado da Palestina. Não deve ser confundido com o discípulo chamado Mateus, que vivera muito antes e provavelmente conheceria apenas o aramaico.
Os Evangelhos de Marcos, Lucas e Mateus são conhecidos colectivamente como os "Evangelhos Sinópticos", implicando que existe um paralelismo, que os seus autores concordavam, ou viam apenas "com um olho" - o que, claro, não é verdade. Ainda assim, existe suficiente sobreposição entre eles para sugerir que derivam de uma única fonte comum - uma tradição oral, ou qualquer outro documento posteriormente perdido. Isto distingue-os do Evangelho de João, que revela origens significativamente diferentes.
Não se sabe absolutamente nada sobre o autor do Quarto Evangelho. Na verdade, nem há razões para presumir que o seu nome fosse João. Excepto em relação a João Baptista, o nome João nunca é mencionado no próprio Evangelho, e aceita-se de uma forma geral que a atribuição da sua autoria a um homem chamado João é uma tradição posterior. O Quarto Evangelho é o mais recente dos que constam no Novo Testamento - composto por volta de 100 d.C, nos arredores da cidade grega de Éfeso. Exibe várias características bastante distintivas. Não inclui a cena da natividade, por exemplo, ou qualquer descrição do nascimento de Jesus, e a abertura tem um carácter quase gnóstico. O texto é de uma natureza decididamente mais mística do que os outros Evangelhos, e o conteúdo também difere. Os outros Evangelhos, por exemplo, concentram-se primariamente nas actividades de Jesus na província nortenha da Galileia e reflectem o que parece ser um conhecimento em segunda ou terceira mão dos acontecimentos a sul, na Judeia e em Jerusalém - incluindo a Crucificação. Ao contrário, o Quarto Evangelho diz relativamente pouco sobre a Galileia. Debruça-se exaustivamente sobre os acontecimentos na Judeia e em Jerusalém, que concluíram o percurso de Jesus, e o seu relato da Crucificação pode muito bem apoiar-se, em última análise, em algum testemunho ocular em primeira mão. Contém também vários episódios e incidentes que não figuram nos outros Evangelhos - o casamento em Canaã, os papéis de Nicodemos e José de Arimateia, e a ressurreição de Lázaro (embora este último episódio tenha em tempos constado do Evangelho de Marcos).
Com base nestes factores, os estudiosos modernos têm sugerido que o Evangelho de João, apesar da sua composição tardia, pode bem ser o mais fiável e historicamente correcto dos quatro. Mais do que os outros Evangelhos, parece basear-se em tradições correntes entre os contemporâneos de Jesus, bem como em outro material a que Marcos, Lucas e Mateus não terão tido acesso.
Um investigador moderno aponta que este Evangelho reflecte um conhecimento topográfico, aparentemente em primeira mão, de Jerusalém antes da revolta de 66 d. C. O mesmo autor conclui: "Por trás do Quarto Evangelho está uma tradição antiga independente dos outros Evangelhos". Não se trata de uma opinião isolada. Na verdade é a mais reinante entre os estudiosos modernos da Bíblia. Segundo outro escritor, "O Evangelho de João, embora não adira à moldura cronológica de Marcos e sendo de origem muito posterior, parece conhecer uma tradição relativamente a Jesus que deve ser primitiva e autêntica." Com base na nossa pesquisa, também nós concluímos que o Quarto Evangelho era o mais fiável dos Livros do Novo Testamento - embora, tal como os outros, tenha sido sujeito a alterações, edições, cortes e revisões. Na nossa investigação, tivemos oportunidade de estudar os quatro Evangelhos e também muito material colateral. Mas foi no Quarto Evangelho que encontrámos as evidências mais persuasivas em favor da nossa hipótese, por enquanto apenas experimental
Os Evangelhos derivam de uma realidade histórica concreta e reconhecível. Era uma realidade de opressão, de descontentamento cívico e social, de agitação política, de perseguição incessante e de rebelião intermitente. Era também uma realidade inundada de promessas, esperanças e sonhos, perpétuos e desesperados - da vinda de um rei legítimo, um líder espiritual e secular que conduziria o seu povo à liberdade. No que dizia respeito à liberdade política, estas aspirações foram brutalmente extinguidas pela guerra devastadora entre 66 e 74 d. C. Contudo, transpostas para uma forma totalmente religiosa, essas aspirações não só foram perpetuadas pelos Evangelhos como adquiriram também um poderoso ímpeto novo.
Os estudiosos modernos são unânimes em concordar que os Evangelhos não datam do tempo da vida de Jesus. Na sua maioria datam do período entre as duas grandes revoltas na Judeia - 66 a 74 e 132 a 135 -, embora se baseiem quase certamente em relatos anteriores. Estes relatos anteriores podem ter incluído documentos escritos que se perderam posteriormente - pois houve uma grande destruição de registos após a primeira rebelião. Mas incluiriam também, com certeza, tradições orais. Algumas foram sem dúvida grosseiramente exageradas e/ou distorcidas, recebidas e transmitidas em segunda, terceira ou quarta mão. Outras, contudo, podem ter sido provenientes de indivíduos que tivessem vivido no tempo de Jesus e que podem mesmo tê-lo conhecido pessoalmente. Era muito possível que um jovem na altura da Crucificação ainda estivesse vivo quando os Evangelhos foram compostos.
Considera-se geralmente que o mais antigo dos Evangelhos é o de Marcos, composto durante a revolta de 66-74 ou pouco depois - excepto no que diz respeito à Ressurreição, que é uma adição posterior e fictícia. Embora Marcos não fosse ele próprio um dos discípulos originais de Jesus,
parece que era originário de Jerusalém. Parece ter sido companheiro de São Paulo, e o seu Evangelho tem o selo inconfundível do pensamento paulino. Mas, embora Marcos fosse nativo de Jerusalém, o seu Evangelho - como afirma Clemente de Alexandria - foi composto em Roma, e dirigia-se a uma audiência greco-romana. Isto, por si só, explica muita coisa. Na altura em que o Evangelho de Marcos foi composto, a Judeia estava, ou estivera recentemente, em revolta aberta, e milhares de judeus estavam a ser crucificados por se rebelarem contra o regime romano. Se Marcos queria que o seu Evangelho sobrevivesse e causasse alguma impressão numa audiência romana, nunca poderia apresentar Jesus como anti-romano.
Na verdade, seria impraticável apresentar Jesus como tendo qualquer orientação política que fosse. De forma a garantir a sobrevivência da sua mensagem, ter-se-ia visto obrigado a exonerar os Romanos de todas as culpas pela morte de Jesus - a branquear o regime existente e enraizado, e a culpar certos judeus pela morte do Messias. Este estratagema foi adoptado, não só pelos autores dos outros Evangelhos mas também pela Igreja Cristã, nos seus primórdios. Sem tal estratagema, nem os Evangelhos nem a Igreja teriam sobrevivido.
Os estudiosos datam o Evangelho de Lucas aproximadamente de 80 d. C. Lucas parece ter sido um médico grego, que compôs a sua obra para um oficial romano de alta patente em Cesareia, a capital romana da Palestina. Portanto, também Lucas terá sentido a necessidade de aplacar e apaziguar os Romanos, transferindo a culpa para outro lado.
Quando o Evangelho de Mateus foi composto - aproximadamente em 85 d. C. - parece que esta transferência já era aceite como um facto estabelecido e inquestionável. Mais de metade do Evangelho de Mateus, na verdade, deriva directamente do de Marcos, embora tenha sido originalmente composto em grego e reflicta características especificamente gregas. O autor parece ter sido judeu, muito possivelmente refugiado da Palestina. Não deve ser confundido com o discípulo chamado Mateus, que vivera muito antes e provavelmente conheceria apenas o aramaico.
Os Evangelhos de Marcos, Lucas e Mateus são conhecidos colectivamente como os "Evangelhos Sinópticos", implicando que existe um paralelismo, que os seus autores concordavam, ou viam apenas "com um olho" - o que, claro, não é verdade. Ainda assim, existe suficiente sobreposição entre eles para sugerir que derivam de uma única fonte comum - uma tradição oral, ou qualquer outro documento posteriormente perdido. Isto distingue-os do Evangelho de João, que revela origens significativamente diferentes.
Não se sabe absolutamente nada sobre o autor do Quarto Evangelho. Na verdade, nem há razões para presumir que o seu nome fosse João. Excepto em relação a João Baptista, o nome João nunca é mencionado no próprio Evangelho, e aceita-se de uma forma geral que a atribuição da sua autoria a um homem chamado João é uma tradição posterior. O Quarto Evangelho é o mais recente dos que constam no Novo Testamento - composto por volta de 100 d.C, nos arredores da cidade grega de Éfeso. Exibe várias características bastante distintivas. Não inclui a cena da natividade, por exemplo, ou qualquer descrição do nascimento de Jesus, e a abertura tem um carácter quase gnóstico. O texto é de uma natureza decididamente mais mística do que os outros Evangelhos, e o conteúdo também difere. Os outros Evangelhos, por exemplo, concentram-se primariamente nas actividades de Jesus na província nortenha da Galileia e reflectem o que parece ser um conhecimento em segunda ou terceira mão dos acontecimentos a sul, na Judeia e em Jerusalém - incluindo a Crucificação. Ao contrário, o Quarto Evangelho diz relativamente pouco sobre a Galileia. Debruça-se exaustivamente sobre os acontecimentos na Judeia e em Jerusalém, que concluíram o percurso de Jesus, e o seu relato da Crucificação pode muito bem apoiar-se, em última análise, em algum testemunho ocular em primeira mão. Contém também vários episódios e incidentes que não figuram nos outros Evangelhos - o casamento em Canaã, os papéis de Nicodemos e José de Arimateia, e a ressurreição de Lázaro (embora este último episódio tenha em tempos constado do Evangelho de Marcos).
Com base nestes factores, os estudiosos modernos têm sugerido que o Evangelho de João, apesar da sua composição tardia, pode bem ser o mais fiável e historicamente correcto dos quatro. Mais do que os outros Evangelhos, parece basear-se em tradições correntes entre os contemporâneos de Jesus, bem como em outro material a que Marcos, Lucas e Mateus não terão tido acesso.
Um investigador moderno aponta que este Evangelho reflecte um conhecimento topográfico, aparentemente em primeira mão, de Jerusalém antes da revolta de 66 d. C. O mesmo autor conclui: "Por trás do Quarto Evangelho está uma tradição antiga independente dos outros Evangelhos". Não se trata de uma opinião isolada. Na verdade é a mais reinante entre os estudiosos modernos da Bíblia. Segundo outro escritor, "O Evangelho de João, embora não adira à moldura cronológica de Marcos e sendo de origem muito posterior, parece conhecer uma tradição relativamente a Jesus que deve ser primitiva e autêntica." Com base na nossa pesquisa, também nós concluímos que o Quarto Evangelho era o mais fiável dos Livros do Novo Testamento - embora, tal como os outros, tenha sido sujeito a alterações, edições, cortes e revisões. Na nossa investigação, tivemos oportunidade de estudar os quatro Evangelhos e também muito material colateral. Mas foi no Quarto Evangelho que encontrámos as evidências mais persuasivas em favor da nossa hipótese, por enquanto apenas experimental