O Tesouro Cátaro.
Durante a Cruzada Albigense e posteriormente, cresceu uma mística em torno dos cátaros que persiste ainda hoje. Em parte isto pode ser atribuído ao elemento de romance que rodeia qualquer causa trágica e perdida - como a de Carlos Eduardo Stuart, por exemplo - com um brilho mágico, com uma nostalgia fixa, com a "matéria-prima das lendas". Mas, ao mesmo tempo, descobrimos que havia alguns mistérios muito reais associados com os cátaros. Embora as lendas possam ser exaltadas e romantizadas, permanecem vários enigmas.
Um deles diz respeito às origens dos cátaros; e, embora ao princípio isto nos parecesse uma questão meramente académica, provou posteriormente ser de considerável importância. Muitos historiadores recentes argumentaram que os cátaros derivavam dos bogomilos, uma seita activa na Bulgária durante os séculos X e XI, cujos missionários migraram em direcção a oeste.
Não há dúvida de que os hereges do Languedoc incluíam vários bogomilos. Na verdade, um conhecido pregador bogomilo foi proeminente nas questões políticas e religiosas da época. E contudo a nossa pesquisa revelou evidências substanciais de que os cátaros não derivaram dos bogomilos. Pelo contrário, pareciam representar o florescimento de algo já enraizado em solo francês há séculos. Pareciam ter derivado, quase directamente, de heresias estabelecidas e entrincheiradas em França desde o próprio advento da era cristã.
Há outros mistérios, consideravelmente mais intrigantes, associados com os cátaros. Jean de Joinville, por exemplo, um homem idoso escrevendo sobre o seu relacionamento com Luís IX durante o século XIII, diz: "O rei (Luís IX) contou-me uma vez como vários homens de entre os albigenses tinham ido ter com o conde de Montfort... e lhe tinham pedido para ir ver o corpo do Nosso Senhor, que se tinha tornado em carne e sangue às mãos do seu padre."13 Montfort, de acordo com a história, parece ter ficado algo desconcertado com o convite. Bastante irritado, declarou que a sua comitiva podia ir, se assim o desejasse, mas ele continuaria a governar-se pelos princípios da "Santa Igreja". Não há mais desenvolvimentos ou explicações sobre este incidente. O próprio Joinville limita-se a contá-lo de passagem. Mas o que podemos pensar deste enigmático convite? O que estariam os cátaros a fazer? Que tipo de ritual estaria envolvido? Deixando de lado a Missa, que de qualquer modo os cátaros repudiavam, o que poderia fazer "o corpo do Nosso Senhor... tornado em carne e sangue"? O que quer que fosse, existe sem dúvida algo de perturbadoramente literal na afirmação.
Outro mistério tem a ver com o lendário "tesouro" cátaro. Sabe-se que os cátaros eram extremamente abastados. Tecnicamente, o seu credo proibia-os de usar armas; e, embora muitos ignorassem esta proibição, a verdade é que os cátaros contratavam grandes números de mercenários a um custo considerável. Ao mesmo tempo, as fontes da riqueza catara - a fidelidade que lhes era prestada por proprietários de terras poderosos, por exemplo - eram óbvias e explicáveis. No entanto levantaram-se rumores, mesmo durante o curso da Cruzada Albigense, sobre um fantástico e mítico tesouro cátaro, algo muito para além da riqueza material. O que quer que fosse, este tesouro estaria supostamente guardado em Montségur. No entanto, quando Montségurcaiu, não foi encontrado nada de qualquer importância. E contudo existem certos incidentes extremamente singulares relacionados com o cerco e a capitulação da fortaleza.
Durante o cerco, o número dos atacantes era superior a dez mil. Com esta vasta força, os sitiantes tentaram cercar toda a montanha, impedindo as entradas e saídas e esperando vencer os defensores pela fome. No entanto, apesar da sua força numérica, faltava-lhes os efectivos militares suficientes para tornar o cerco completamente seguro. Além do mais, muitos soldados eram da região, e simpatizavam com os cátaros. E muitos simplesmente não eram de confiança. Em consequência, não era difícil passar despercebido através das linhas atacantes. Havia muitas brechas por onde os homens entravam e saíam sorrateiramente, e os abastecimentos conseguiam chegar à fortaleza.
Os cátaros aproveitaram-se destas brechas. Em Janeiro, quase três meses antes da queda da fortaleza, escaparam dois parfaits. Segundo relatos fiáveis, levavam com eles o grosso da riqueza material dos cátaros - ouro, prata e moedas, que levaram primeiro para uma gruta fortificada nas montanhas, e daí para um castelo aliado. Depois disso o tesouro desapareceu e nunca mais se ouviu falar dele.
Em 1 de Março, Montségur capitulou finalmente. Nessa altura os seus defensores eram menos de quatrocentos - cento e cinquenta a cento e oitenta eram parfaits, sendo os restantes cavaleiros, fidalgos rurais e respectivas famílias, e os soldados contratados. Foram-lhes concedidas condições surpreendentemente clementes. Os soldados receberiam total perdão por todos os seus "crimes" anteriores. Ser-lhes-ia permitido partir com as suas armas, bagagens e quaisquer presentes, incluindo dinheiro, que pudessem ter recebido dos seus amos. Os parfaits foram também alvo de uma generosidade inesperada. Desde que abjurassem das suas crenças hereges e confessassem os seus "pecados" à Inquisição, seriam libertados e sujeitos apenas a penitências ligeiras.
Os defensores pediram uma trégua de duas semanas, com uma suspensão total das hostilidades, para pesarem as condições. Em mais uma exibição de invulgar generosidade, os atacantes concordaram. Em troca os defensores ofereceram voluntariamente reféns. Acordou-se que, se alguém tentasse fugir da fortaleza, os reféns seriam executados.
Estariam os parfaits tão convictos das suas crenças que escolheram voluntariamente o martírio em vez da conversão? Ou havia algo que não podiam - ou não se atreviam - a confessar à Inquisição? Seja qual for a resposta, nem um dos parfaits, tanto quanto se sabe, aceitou as condições dos sitiantes. Pelo contrário, todos eles escolheram o martírio. Além disso, pelo menos vinte dos outros ocupantes da fortaleza, seis mulheres e cerca de quinze soldados, receberam voluntariamente o Consolamentum e tornaram-se também parfaits, condenando-se assim a uma morte certa.
A 15 de Março a trégua terminou. Ao nascer do dia seguinte, mais de duzentos parfaits foram rudemente arrastados pela encosta da montanha. Nenhum se retractou. Não havia tempo para erigir fogueiras individuais, portanto foram fechados numa grande paliçada cheia de madeira, no sopé da montanha, e queimados en masse. Confinados ao castelo, os restantes elementos da guarnição foram obrigados a assistir. Foram avisados de que, se algum tentasse escapar, isso significaria a morte para todos, bem como para os reféns.
No entanto, apesar deste risco, a guarnição tinha escondido secretamente quatro parfaits entre eles. E, na noite de 16 de Março, estes quatro homens, acompanhados por um guia, efectuaram uma fuga ousada - mais uma vez com conhecimento e conivência da guarnição. Desceram a íngreme encosta ocidental da montanha, suspensos por cordas e descendo em quedas de mais de cem metros de cada vez.
O que estavam estes homens a fazer? Qual era o objectivo desta fuga arriscada, que implicava tamanho risco, tanto para a guarnição como para os reféns? No dia seguinte podiam ter saído da fortaleza em liberdade, livres para continuarem com as suas vidas. E contudo, por alguma razão desconhecida, embarcaram numa perigosa fuga nocturna, que facilmente poderia ter significado a morte para si próprios e para os seus colegas.
Segundo a tradição, estes quatro homens levavam com eles o lendário tesouro cátaro. Mas o tesouro cátaro tinha sido clandestinamente retirado de Montségur três meses antes. E, de qualquer forma, que quantidade de "tesouro" - que quantidade de ouro, prata ou moedas - conseguiriam levar às costas três ou quatro homens, pendurados em cordas na encosta escarpada de uma montanha? Se os quatro fugitivos levavam de facto alguma coisa, parece claro que não se tratava de riquezas materiais.
O que poderiam eles transportar? Instrumentos da fé cátara, talvez - livros, manuscritos, ensinamentos secretos, relíquias, objectos religiosos de algum tipo; talvez algo que, por uma razão ou por outra, não pudessem permitir que caísse em mãos hostis. Isso poderia explicar a razão de terem empreendido esta fuga - uma fuga que implicava tão grande risco para todos os envolvidos. Mas, se qualquer coisa de natureza tão preciosa tinha, a todo o custo, de ser mantida longe de mãos hostis, porque não teria sido retirada antes da fortaleza? Porque não teria sido retirada com o tesouro material, três meses antes? Porque teria sido mantida na fortaleza até ao último e mais perigoso momento?
A data precisa da trégua permitiu-nos deduzir uma resposta possível para estas perguntas. Atrégua tinha sido requisitada pelos sitiados, que ofereceram voluntariamente reféns para a conseguirem obter. Por alguma razão, parece que os sitiados a consideravam necessária - embora com ela tenham apenas conseguido adiar o inevitável por mais duas semanas.
Talvez, concluímos nós, esse atraso fosse necessário para ganhar tempo. Não tempo em geral, mas aquele tempo específico, de forma a atingir aquela data específica. A trégua coincidiu com o equinócio da Primavera - e o equinócio pode muito bem ter gozado de algum estatuto ritual para os cátaros. Coincidiu também com a Páscoa. Mas os cátaros, que questionavam a relevância da Crucificação, não atribuíam qualquer importância particular à Páscoa. E no entanto sabe-se que foi levado a cabo um tipo qualquer de festival a 14 de Março, no dia antes do término da trégua. Parece haver poucas dúvidas de que a trégua foi pedida de forma a que este festival se pudesse realizar. E parece haver poucas dúvidas de que o festival não podia ser realizado numa data seleccionada ao acaso.
Aparentemente tinha de ser a 14 de Março. Independentemente de que festival se tratava, causou claramente uma forte impressão nos mercenários - alguns dos quais, desafiando a morte inevitável, se converteram ao credo cátaro. Poderia este facto esconder pelo menos uma chave parcial para o que foi retirado de Montségur duas noites mais tarde? Poderia o que foi retirado nessa altura ter sido necessário, de alguma forma, para o festival do dia 14? Poderia de alguma forma ter contribuído para persuadir pelo menos vinte dos defensores a tornarem-se parfaits no último momento? E poderia, de alguma forma, ter garantido o subsequente conluio dos membros da guarnição, mesmo colocando em risco as próprias vidas? Se a resposta a todas estas perguntas for sim, isso explicaria por que razão esse algo removido no dia 16 não foi retirado antes - em Janeiro, por exemplo, quando o tesouro monetário foi colocado em segurança. Esse algo teria sido necessário para o festival. E depois teria de ser mantido longe de mãos hostis.
O Mistério dos Cátaros
Enquanto ponderávamos estas conclusões, éramos constantemente recordados das lendas que ligam os cátaros ao Santo Graal. Não estávamos preparados para encarar o Graal como mais do que um mito. Com certeza que não estávamos preparados para afirmar que tinha realmente existido. Mesmo que tivesse existido, não conseguíamos imaginar que um copo ou uma taça, quer tenha contido o sangue de Jesus ou não, fosse tão preciosa para os cátaros - para quem Jesus, numa medida muito significativa, era apenas secundário. No entanto, as lendas continuavam a perseguir-nos e a confundir-nos.
Embora seja elusivo, parece realmente haver um elo qualquer entre os cátaros e todo o culto do Graal, tal como evoluiu durante os séculos XII e XIII. Vários escritores argumentaram que os romances sobre o Graal - os de Chrétien de Troyes e Wolfram von Eschenbach, por exemplo - são uma interpolação do pensamento cátaro, oculto num elaborado simbolismo, no coração da Cristandade ortodoxa. Pode haver algum exagero nessa afirmação, mas também há alguma verdade.
Durante a Cruzada Albigense, os eclesiásticos fulminaram os romances sobre o Graal, declarando-os perniciosos, se não mesmo hereges. E, em alguns destes romances, há passagens isoladas que são, não apenas altamente não ortodoxas mas inconfundivelmente dualistas - por outras palavras, cátaras.
E mais, Wolfram von Eschenbach, num dos seus romances sobre o Graal, declara que o castelo do Graal se situava nos Pirenéus
- uma afirmação que Richard Wagner, pelo menos, parece ter entendido literalmente. Segundo Wolfram, o nome do castelo do Graal era Munsalvaesche - aparentemente uma versão germanizada de Montsalvat, um termo cátaro. E, num dos poemas de Wolfram, o senhor do castelo do Graal chama-se Perilla. De forma bastante interessante, o senhor de Montségur era Raimon de Pereille - cujo nome, na sua forma latina, aparece em documentos da época como Perilla.
Se coincidências tão impressionantes insistiam em nos perseguir, também deviam, concluímos nós, ter perseguido Saunière
- que estava, afinal de contas, imerso nas lendas e folclore da região. E, tal como qualquer outro nativo da região, Saunière devia estar constantemente consciente da proximidade de Montségur, cujo destino trágico e pungente ainda domina a consciência local. Mas, para Saunière, a própria proximidade da fortaleza pode muito bem ter ocasionado certas implicações práticas.
Algo tinha sido retirado clandestinamente de Montségur, pouco depois de a trégua ter terminado. De acordo com a tradição, os quatro homens que escaparam da cidadela condenada levavam consigo o tesouro cátaro. Mas o tesouro monetário tinha sido retirado três meses antes. Poderia o "tesouro" cátaro, tal como o "tesouro" que Saunière descobrira, ter consistido primariamente num segredo? Poderia esse segredo estar relacionado, de alguma forma inimaginável, com algo que ficou conhecido como o Santo Graal? Parecia-nos inconcebível que os romances sobre o Graal pudessem ser entendidos literalmente.
De qualquer forma, o que quer que tenha sido retirado de Montségur, teve de ser levado para outro lugar. De acordo com a tradição, foi levado para as grutas fortificadas de Ornolac, em Ariège, onde um bando de cátaros foi exterminado pouco tempo depois. Mas nunca se encontrou nada, para além de esqueletos, em Ornolac. Por outro lado, Rennes-le-Château fica apenas a uma distância de meio dia a cavalo de Montségur. O que foi retirado de Montségur pode muito bem ter sido trazido para Rennes-le-Château ou, mais provavelmente, para uma das grutas que abundam como favos de mel nas montanhas circundantes. E, se o "segredo" de Montségur foi o que Saunière veio mais tarde a descobrir, isso explicaria obviamente muita coisa.
No caso dos cátaros, bem como no de Saunière, a palavra "tesouro" parece esconder outra coisa qualquer - um conhecimento ou informação de alguma espécie. Dada a aderência tenaz dos cátaros ao seu credo e a sua antipatia militante por Roma, interrogámo-nos se esse conhecimento ou informação (partindo do princípio que existe) não poderia estar de alguma forma relacionado com a Cristandade - com as doutrinas e a teologia da Cristandade, talvez com a sua história e origens. Seria possível, em suma, que os cátaros (ou pelo menos certos cátaros) soubessem de alguma coisa - qualquer coisa que contribuísse para o fervor frenético com que Roma buscava o seu extermínio? O padre que nos escrevera referia-se a "prova irrefutável". Poderiam os cátaros ter conhecido essa prova?
Na altura, podíamos apenas especular. E a informação sobre os cátaros era, de uma forma geral, tão escassa, que impossibilitava até a formação de uma hipótese praticável. Por outro lado, a nossa investigação sobre os cátaros tinha colidido repetidamente com outro assunto, ainda mais enigmático e misterioso, e rodeado de lendas evocativas. Este assunto era a Ordem dos Templários. Foi portanto para os templários que dirigimos em seguida a nossa investigação. E foi com os templários que as nossas pesquisas começaram a produzir documentação concreta, e o mistério começou a assumir proporções muito maiores do que alguma vez imagináramos.